TEORIAS PSICOPEDAGÓGICAS SOBRE APRENDIZAGEM

Unidade I - Módulo 2

A epistemologia convergente de Jorge Visca

Júlia Eugênia Gonçalves

O autor:

Imagem de jorge Visca

Jorge Pedro Luiz Visca nasceu em Baradero, província de Buenos Aires, em 14 de maio de 1935. Cursou o bacharelado no Colegio Nacional de San Pedro, Província de Buenos Aires e o magistério na Escuela Normal de Profesores Mariano Acosta da Capital Federal.

Graduou-se em Ciências da Educação em 1966, na Facultad de Filosofia Y Letras da Universidad Nacional de Buenos Aires. Foi psicólogo social, formado na Escuela Privada de Enrique Pichon Rivière, em 1971.Fundou os Centros de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires, de Misiones,do Rio de Janeiro, de Curitiba, de São Paulo e de Salvador.

Realizou numerosas publicações em seu país e no estrangeiro e participou de congressos internacionais representando a Argentina.

Foi membro do corpo editor de: Aprendizaje Hoy (Argentina) e Publicações especializadas de Brasil: revista Brasileira de Pesquisa em Psicologia, Revista Psicologia – USP e Revista Grupal da Federação Latinoamericana de Psicoterapia Analítica de Grupo.

Trabalhou como consultor e assessor na formação de profissionais em diversos Centros de Estudos Psicopedagógicos, em universidades no Brasil e na Argentina.

Publicou seu primeiro livro - Clínica psicopedagógica - em 1985, traduzido para o português em 1988

Criador da Epistemologia Convergente linha que propõe um trabalho clínico utilizando-se da integração de três linhas da Psicologia: Escola de Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola Psicanalítica (Freud) e Psicologia Social (Enrique Pichon Rivière).

Faleceu em 2000.

Nota

Referências biográficas extraídas do website psicopedagogiabrasil

INTRODUÇÃO:

Imagem epistemologia

A Epistemologia Convergente, criada por Jorge Visca, é um marco teórico na construção do conhecimento psicopedagógico, por conter uma formulação conceitual original e organizada de maneira formal a respeito do processo de aprendizagem humana. Em suas bases encontram-se as contribuições da psicanálise, da epistemologia genética de Piaget e da psicologia social de Pichon Riviére. Suas propostas visam à compreensão da aprendizagem, levando em conta os aspectos afetivos, cognitivos e sociais nela implicados.

A Epistemologia Convergente criada por Visca é uma teoria que pretende explicar as relações entre a inteligência e a afetividade, a partir da atuação psicopedagógica, fruto de investigação empírica junto a indivíduos com dificuldades de aprendizagem e da assimilação recíproca das teorias que lhe serviram de base, de tal forma que cada uma enriquece e modifica a outra.

Citação

“Também quero acrescentar que quando se fala em psicopedagogia clínica, se está fazendo referência a um método com o qual se tenta conduzir à aprendizagem e não a uma corrente teórica ou escola. Em concordância com o método clínico podem-se utilizar diferentes enfoques teóricos. O que eu preconizo é o da epistemologia convergente”.

VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

Visca apresenta a psicopedagogia como um campo de atuação que utiliza o método clínico como instrumental de trabalho.

Ele considera que para conhecer uma realidade qualquer é preciso que ela seja, ao mesmo tempo isolada e integrada ao contexto a que pertence. Em relação a um fato de natureza psicopedagógica – situação de aprendizagem – seu conhecimento se dá pela busca de conceituação, atendendo ao primeiro critério e pelo controle propiciado pelo método clínico, que atende ao segundo.

Piaget procura, em suas investigações, encontrar um caminho que não fosse puramente verbal, nem somente quantitativo, desenvolvendo uma concepção lógica aplicada à psicologia.

Dica

A palavra “clínico” tem interpretação direcionada para a área médica, porque se origina de Kliné, que, em grego, significa leito, local onde se atendia ao doente. Foi adotada por Freud ao desenvolver o método de colocar o paciente recostado para facilitar o relato de suas queixas e passou a ser amplamente utilizada em vários campos do conhecimento e da atuação no âmbito da saúde física e mental.

Imagem Diva de Freud

Divâ usado por Freud com seus pacientes, no início da psicanálise.

Citação

“O método clínico ou crítico imaginado por Piaget com o objetivo de observar a lógica, tanto das ações como das operações, surgiu no momento em que, tendo-se pedido a ele a padronização dos testes psicométricos, comprovou que sistematicamente crianças normais de menos de 13 anos não podem responder a certas proposições verbais. Isto o levou a perguntar-se o porquê da dificuldade sistemática e a buscar um método que não fosse nem pura observação, nem psicométrico. Como conseqüência de suas investigações o método clínico de Piaget experimenta várias modificações que acompanham suas sucessivas descobertas, embora conservando sempre o essencial. Entre suas notas destacam-se sua intenção epistemológica e a hipótese diretriz, esta última, ponto de transição entre o clínico puro e o experimental puro”.

Visca, 1983

O MÉTODO:

Visca utiliza o método clínico em psicopedagogia, integrando as contribuições psicanalíticas e piagetianas e aplicando-o no atendimento individual e grupal, definindo suas constantes e suas variáveis, atendendo aos requisitos básicos de uma investigação de natureza científica.

Seu trabalho se reveste da maior importância para a psicopedagogia, na medida em que traz para este campo de conhecimentos e de atuação, procedimentos de trabalho próprios da Filosofia da Ciência. Nele, encontram-se descritos, de maneira formal, os fundamentos de um modelo teórico baseado em quatro unidades temáticas:

  1. O enquadramento: define as constantes presentes no tratamento psicopedagógico, que utiliza o método clínico para verificar a variável aprendizagem, tanto em indivíduos como em grupos;
  2. O contrato: indica um marco de segurança no tratamento e um critério de ação;
  3. O diagnóstico: matriz conceitual situada entre o corpo legal da psicopedagogia e os casos particulares para os quais dirige sua atuação;
  4. A gnosiologia: formata critérios de saúde e doença no campo psicopedagógico, sobre a base de conceitos sociológicos, antropológicos, psicológicos e pedagógicos.

A Epistemologia Convergente é, portanto, uma teoria psicopedagógica, a primeira organizada segundo as premissas do método científico, que tem a intenção de investigar o processo de aprendizagem integrando aspectos de natureza emocionais e cognitivos.

Visca considera de suma importância a contribuição de Pichon Riviére e José Bleger, pois esses autores lhe permitiram pensar na possibilidade de integração de teorias aparentemente incompatíveis. Esclarece que há duas maneiras de teorias se integrarem: por meio de correspondência verbal (estabelecimento de semelhanças, diferenças, correspondências etc.) ou por meio da verificação empírica. Em ambos os casos, pode ser adotada uma tendência paralelista, de assimilação unidirecional (quando uma teoria incorpora elementos de outra, sem modificar-se) ou uma assimilação recíproca entre as teorias. Em sua Epistemologia Convergente, ele emprega as duas tendências.

Dica

Dentre as obras deste autor, destacamos:

RIVIÉRE, E. P. (1998) O Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes; BLEGER, J. (1998) Temas de Psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes.

No contexto da epistemologia convergente, o conhecimento se enriquece e se transforma com a contribuição das interpretações e explicações surgidas dos vários campos do saber, que se integram criativamente, formando novos campos. Segundo Visca, isso foi o que aconteceu na Argentina, por força de alguns fatores históricos, desde a década de quarenta, permitindo-lhe criar uma teoria sobre a Psicopedagogia, que contém, segundo suas palavras, as seguintes contribuições:

Citação

“Tanto el psicoanálisis como la escuela piagetiana investigaron sobre dos aspectos fundamentales para comprender la personalidad, la conducta y el aprendizaje del ser humano. El psicoanálisis se especializó en el estudio de los aspectos emocionales y la escuela piagetiana en el de las funciones cognitivas: pero durante un cierto tiempo ambas teorías fueron vistas como desarrollos paralelos sin puntos de contacto. A partir de un cierto momento un grupo de autores comenzó a pensar en la posibilidad de integrar ambas concepciones en una más amplia y profunda que permitiera una mejor descripción y explicación. Las aproximaciones a este objetivo fueron paulatinas; pero hoy ya se puede hablar de una historia de dichos intentos, entre las cuales se encuentra el de la epistemología convergente.”

Visca,1987.

Sob esta perspectiva, o conhecimento da Epistemologia Convergente vai ao encontro dos novos paradigmas que surgiram no final do século XX, lançando as bases do pensamento complexo, da rede de inter-relações, da transdisciplinaridade e do método sintético no campo da psicopedagogia.

A este repeito, leia o artigo de autoria do prof. Jorge Visca, com reflexões a respeito da psicopedagogia no terceiro milênio, que está em anexo a esta lição.

Os caminhos da psicopedagogia no terceiro milênio

O TEMPO E O ESPAÇO:

Como Visca trata o tempo no contexto de sua teoria?

Imagem relógio dançando

Ele trata o tempo como a unidade durante a qual o sujeito é assistido pelo psicopedagogo. É uma das constantes do enquadramento que é o ponto de referência do tratamento psicopedagógico. Ao descrevê-la, foge completamente ao aspecto linear que caracteriza o tempo cronológico, demonstrando a necessidade de se utilizar diferentes unidades de tempo, de acordo com referencias teóricos que privilegiam sua dimensão instrumental ou conceitual.

De acordo com essa premissa, o tempo é visto fora de uma seqüência de eventos, perdendo sua linearidade e permitindo análises diacrônicas e sincrônicas que se dirigem não apenas ao paciente, mas também ao psicopedagogo e ao vínculo relacional que se forma entre ambos. A diacronia considera a entrevista psicopedagógica em sua totalidade ou toma um momento ou momentos desta entrevista, seja de forma simétrica ou assimétrica. A sincronia se dá pela possibilidade de análise comparativa de um mesmo momento das entrevistas psicopedagógicas, em dias ou fases diferentes do tratamento.

Citação

“Qualquer que seja o tempo que se use, 50 min., 60 min. ou ”X min.”, o tempo deve constituir para o psicopedagogo uma categoria conceitual que permita situar os fenômenos em um espaço e subespaços temporais.”

VISCA,1991

A fim de garantir uma investigação abrangente e precisa, Visca indica a necessidade de a psicopedagogia analisar as relações entre emoção e cognição no âmbito da aprendizagem humana, tendo em vista uma perspectiva histórica ou evolutiva e uma perspectiva a-histórica ou situacional, o que permite situar o sujeito numa intersecção entre dois eixos, de forma a garantir que o conhecimento a seu respeito contemple o maior número possível de variáveis, o que é típico do pensamento complexo da pós-modernidade.

E o espaço, como é visto por ele?

O espaço, por sua vez, ganha tratamento semelhante. Perde o caráter fixo que lhe impunha o pensamento moderno e ganha a flexibilidade inerente ao pensamento pós-moderno.

Visca denomina espaço ao lugar onde o tratamento psicopedagógico acontece, que pode ser um consultório, uma sala ou um box, no qual o atendimento é efetuado. Tanto como o tempo, sugere que o espaço tenha uma dimensão instrumental e conceitual, de acordo com a característica que predomina no paciente, conforme ilustra a tabela abaixo :

                                                       TIPOS DE ESPAÇOS PSICOPEDAGÓGICOS
LUGAR POR IDADE E DÉFICIT
Consultório de crianças Crianças débeis, psicóticos
Consultório de adultos Com elementos não demasiado regressivos (infantis)
Rua, etc Para sujeitos que apresentam déficits na aprendizagem sistemática
Imagem inclusão digital

Outro ponto importante, relacionado à Epistemologia Convergente é o fato de que Visca pretendeu criar modelos teóricos que faltavam no campo da Psicopedagogia.


Estes modelos tentam integrar as visões psicanalíticas e piagetianas, no campo da Psicopedagogia, relacionando-as com o processo de aprendizagem. São eles: o esquema evolutivo da aprendizagem, o modelo nosográfico, a matriz de pensamento diagnóstica, o processo diagnóstico, a entrevista operativa centrada na aprendizagem e o processo corretor.

ESQUEMA EVOLUTIVO DA APRENDIZAGEM:

Esquema Evolutivo da Aprendizagem

Imagem menina com livro na mão

O esquema evolutivo da aprendizagem concebe este processo como uma construção intrapsíquica, com registros genéticos próprios de cada sujeito, dependente das diversidades inerentes ao desenvolvimento de cada ser e ao meio em que ele vive. O modelo nosográfico é uma tentativa de classificação das patologias relacionadas com a aprendizagem em três níveis: o semiológico, o patogênico e o etiológico. No primeiro, Visca relaciona as categorias de sintomas objetivos e subjetivos; no segundo, analisa as estruturas e os mecanismos que provocam os sintomas e, no terceiro, procura identificar suas causas históricas.

Segundo esta perspectiva as dificuldades de aprendizagem são vistas em sua complexidade, sem o estabelecimento de relações unilaterais de causa/efeito, mas levando em consideração a heterogeneidade estrutural da personalidade humana e a pluricausalidade contida na realidade, bem de acordo com a visão pós-moderna. Os obstáculos são de três tipos: epistemofílico (medo de conhecer, de se dirigir ao conhecimento); epistêmico (limitações impostas pela estrutura cognitiva) e funcional (diferenças funcionais).

Matriz de Pensamento Diagnóstico:

A matriz de pensamento diagnóstica é um instrumento conceitual criado por Visca para representar as diferentes possibilidades do objeto de estudo da psicopedagogia – a aprendizagem – sem que este perca sua unicidade. Ela possibilita ao profissional a organização da informação obtida durante o diagnóstico, transcendendo os casos particulares e permitindo conclusões generalizadoras, necessárias para a construção de qualquer teoria já que possibilitam encontrar axiomas que podem vir a se transformar em leis.

O modelo de diagnóstico que ele propõe consiste numa série de passos a serem seguidos pelo profissional durante o processo investigativo em psicopedagogia. É um modelo inovador, que inverte a ordem geralmente praticada e que lhe permitiu a criação de um instrumento próprio, a EOCA – Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem – para substituir as provas pedagógicas comumente utilizadas pelos psicopedagogos.

                                               DIAGNÓSTICO - ESQUEMA SEQUENCIAL PROPOSTO:
Ações do Entrevistador Procedimentos internos do entrevistador
1- EOCA 1º sistema de hipóteses
Linhas de investigação
2- Testes Eleição de instrumentos
2º sistema de hipóteses
Linhas de investigação
3- Anamnese Verificação e decantação do 2º sistema de hipóteses
Formulação do 3º sistema de hipóteses
4- Elaboração do Informe Elaboração de uma imagem do sujeito( irrepetível) que articula a aprendizagem com os aspectos energéticos e estruturais, a-históricos e históricos que o condicionam

Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem - EOCA:

A Entrevista Centrada na Aprendizagem que ele propõe, baseia-se na idéia de que a conduta cumpre uma função homeostática entre o organismo e o meio. Consiste num instrumento psicopedagógico criado para observar as manifestações cognitivo-afetivas da conduta em situação de aprendizagem. É a forma empírica de contrastação das hipóteses de trabalho do psicopedagogo no modelo da Epistemologia Convergente, pois possui indicadores avaliativos dos aspectos afetivos e cognitivos e permite a análise prática da entrevista sob o ponto de vista de sua temática, sua dinâmica e seu produto.

Processo Corretor:

O Processo Corretor consiste no conjunto de intervenções possíveis de serem executadas por um agente corretor sobre um sujeito, levando em conta a relação entre ambos. Estas intervenções devem facilitar a estabilização das condutas relacionadas com a aprendizagem, modificando-as.

CONCLUSÃO:

O modelo teórico proposto por Visca possibilita uma visão integradora, ampla e profunda dos aspectos afetivos e cognitivos presentes no processo de aprendizagem humano, sem perder de vista a preocupação com o método científico, com as pesquisas e a produção teórica que podem garantir a sustentação deste novo conhecimento no cenário epistemológico da atualidade.

Por isso, tem incomensurável valor em um campo de conhecimento tão recente, que ainda se encontra em construção.

Para conhecer mais a respeito do prof. Jorge Visca ,sua teoria e suas publicações, visite seu website www.cepjorgevisca.com.ar

LEITURAS:

  • VISCA, J. (1993) Psicopedagogía: teoría, clínica, investigación. Buenos Aires: Taller Gráfico Enrique Titákis.
  • ________. (1987). Clínica Psicopedagógica; epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas.
  • _________( 1991) Psicopedagoga novas contribuições.São Paulo, Nova Fronteira.